segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Uma vez conheci uma garota. Era magra e tão baixa que eu poderia cobrir todo o seu corpo com o meu. Era regida pelo Sol e eu percebia isto em cada lugar por onde passávamos. Parecia que ela tinha luz própria; todos viravam para observá-la e os olhares a seguiam até que sumisse de vista ou até que percebessem que sua luz não brilhava para eles, para nenhum deles. Era para mim que ela sorria sempre, aquele sorriso frouxo e lasso, como se seus lábios estivessem sempre cansados. A primeira vez que a vi, quis entrar como um louco dentro dela, em todos os sentidos, e descobrir como aquela criatura conseguia ser tão surrealmente encantadora e diferente de todas as outras. Ninguém tinha aquele perfume e jamais poderia ter. Era como se uma flor tivesse existido uma única vez para dar a ela uma característica singular que não se encontraria em nenhuma outra mulher e que ficaria presa ao meu corpo para sempre. Tudo nela me chamava absurdamente e isso me dava um medo paralisante. O que se sucedeu a partir de então foram dias loucos, tormentas, dias ensolarados de queimar a pele, nevasca e terremoto. Estar com ela era como não ser constante em momento algum. Um dia ela era maluca e me odiava por não avisar quando ía embora. Sentia-se deixada para trás, era o que dizia. No outro, ela era quase santa. Porém, nunca casta. Um dia ela queria rasgar minha roupa no meio da rua e no outro queria só segurar minha mão e me puxar para perto. Um dia ela me procurava com saudade e no dia seguinte parecia que eu já não existia. E eu sei que ela queria mesmo que eu nunca tivesse aparecido aquela noite. Mas tudo o que ela fez foi porque lhe tirei tudo o que pude e a mantive por perto enquanto me era oportuno. Fui mesquinho com o que ela sentia por mim e a colocava à prova, mas ela era conivente com os meus erros porque tinha medo de me perder. E eu continuava me aproveitando disto. Continuei tirando tudo o que podia. Primeiro tirei seu sono, depois tirei sua fome. Por fim, tirei seu juízo. Eu a transformei em uma louca desvairada. Toda noite ela dormia com a tv ligada porque não suportava mais o peso dos seus pensamentos; eu estava sempre neles, tirando sua sanidade. E a única coisa que ela queria era que eu lhe acompanhasse até em casa, contasse-lhe minhas histórias e a fizesse rir até chorar. Queria que eu lhe desse um beijo no meio da praça, para saber que eu me importava com ela. E eu me importava. Apesar de todas as vezes em que não atendi suas ligações, de todas as horas que a deixei esperando por uma resposta ou apesar de todas as respostas que ela não recebeu, eu me importava. De um jeito não usual e mudo, ora estranho e incompreensível, queria mantê-la ali, queria que ela sentasse no bar comigo, queria que ela lembrasse de mim quando estreasse o filme que ela esperou dois anos para assistir. Queria que apenas eu pudesse ver seus olhos brilhando ao segurar sua mão sem aviso. Ela transformou minha vida de tantas maneiras diferentes, revirou minha cabeça de tantas maneiras diferentes que tive medo que ela pudesse fazer isso em outras vidas. Sei que todos queriam estar no meu lugar junto a ela na cama. Todos queriam vê-la acordar com o rosto vermelho, queriam vê-la ofegar, queriam vê-la pular e dançar feito louca, os braços pro alto, o cabelo bagunçado. Tudo o que só eu podia ver, tudo o que ela queria que só eu pudesse ver, deixei para trás entre o beijo de bom dia de uma boca entreaberta em sono e o primeiro e último gole no café.