domingo, 26 de abril de 2009

Você é um evento tão apressado: no início da primeira semana você era apenas visões casuais, olhares interceptados. Com o passar dos dias já possuía nome e voz, talvez tivesse também um pouco de coragem. Na segunda-feira seguinte passou a ser dois beijos no rosto, chegou direito em casa?, cheguei, obrigada, e se transformou em preocupação; conversas; os olhos azuis, em verdes; uma embalagem de pastilhas para dor de garganta. Os dois beijos no rosto encontraram os lábios, e já tinha, então, o caminho certo, endereço e telefone, obrigado pelo dia, já te adoro, ao fim da quarta-feira; talvez fosse dia onze. Mais alguns dias passaram, mas nada que se transformasse em uma semana. Houve quebra de comunicação e uma forte dor ao ler cada página de frases soltas que você rabiscava pelos cadernos de filosofia, talvez fosse economia, teoria, inovação. O restaurante e os empresários conheceram a história de oito dias anteriores, sofreram, perderam o apetite, quase perderam a hora de voltar ao trabalho, "eu não quero perder você", você disse. Seus pés caminhavam ao lado dos meus enquanto os olhos nos observavam, sua mão vez em quando parava sobre a minha repousada em meu ombro, e seus lábios me beijavam os cabelos à medida que a Avenida se aproximava. Até hoje não sei bem se rio ou se choro ao lembrar do seu esforço para me fazer sorrir, os pensamentos em minha cabeça como o sino da Candelária ao meio dia – você jamais ouvirá esse som novamente. Então, a beira da calçada. Então, você, tão mais alto, o sinal aberto – não para nós; nunca para nós dois. Então, eu. Então, você, e os carros que passavam barulhentos e aos montes em uma Rio Branco vasta e taciturna – era a primeira vez que a via assim, sem sentido, sem vida, sem fim, angustiante. Lembro bem, era uma quinta-feira previsível. Talvez fizesse sol, talvez as nuvens já tivessem coberto toda e qualquer remota esperança que me acordara aquele dia, anunciando a tempestade que já havia caído sobre nós alguns minutos antes.No trânsito de corpos, eu reparava em seu reflexo no vidro dos carros, e ao olhar seus olhos que não viam que os meus os procuravam, repetia como um mantra cada palavra sua, cada [falsa] sinceridade admirável que você me fizera conhecer entre a inquietação de suas pernas e o guardanapo picado sobre a mesa.Você é um evento tão apressado, mas não tem hora marcada. Acontece quando quer, muda de roupa, de vontade, sem avisar. Chega devastando a quietude, ou vai embora, muda-se de lugar, sem ao menos deixar um bilhete, uma resposta. Você é um evento tão apressado, mas não tem pressa em me fazer voltar. Pediu para que eu esperasse, e eu espero, meus braços dormentes abertos, com a paciência de um monge budista.
Até que você bata àquela mesma porta, cansado, com fome, com saudade, debaixo de chuva, no meio da madrugada, dizendo que a espera se findou e que nunca mais vai me deixar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Bati à sua porta e você abriu
Queria que você me invadisse
Sala, quarto, quintal
Queria que você entrasse sem essa formalidade
Pés descalços, tanto faz
Ou fique de sapatos, suje os tapetes
Espalhe-se pelo sofá, cama, mesa, talvez
Deixe cada parte de você pelos cômodos
Pescoço, lábios, e mãos
Nesse latifúndio faça uma invasão
Tire roupa, pele, minha atenção
Jogue tudo pelo chão
Cabelos, corpo... e então
Faça de mim, abrigo
Enconste sua cabeça em meu ombro
Que te prendo em minhas pernas
Fique e se demore
Uma semana, um mês
Vá ficando, fazendo morada, construindo uma vida


Eu vou esperando você bater à porta
Uma vez, duas, três
Decidir sua mente
Venha por inteiro
Corpo e alma, mesmo que os espalhe
Sofá, cama, mesa, talvez
Traga nome e sobrenome
Que eu quero me ater a você
Curvas, lingua e olhares
Daí, eu me entrego de vez

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Todas as evidências, todos os sinais sumiram. As horas já não vêm iguais, as entrelinhas fizeram-se inteligíveis. As semanas estão passando e, então, elas se desenrolarão em meses. Você vai mudar ainda mais e com essa sua ausência você se tornará quase um estranho para mim, vai cortar o cabelo, perder o sotaque. Talvez você até volte para a sua cidade, e não saberemos mais de nossos dias. Com o passar dos anos você esquecerá quem sou, e isso será doloroso, mas pode ser que eu não me importe, prometi não sofrer demoradamente. Acho até que já superei. Haverá, sempre, algo reprimido de ser dito, em mim. Não vou confidenciar os planos que fiz para nós dois. Não há por que dividir um plano de vontade única, mas, na verda, deixe-me contar, pois eu sei que você não virá a ler:



Um apartamento no Centro da Cidade, de janelas grandes, todo em branco: paredes brancas, lençóis brancos, móveis brancos.Você deitado à cama, a cabeça repousando no travesseiro, seu corpo nu, coberto, e seus olhos de ressaca. Sejamos sinceros, você sabe que "ressaca" não seria bem a palavra, mas seu segredo está a salvo comigo.Suas pálpebras se abrem, sua boca se contorce em um "boa noite", e você, enfim, abre aquele sorriso lindo que mesmo em lembrança me deixará sempre mole, mole, com um aperto no peito e com um sorriso não tão belo quanto o seu, mas em meus olhos o brilho que todos me descreviam cada vez que eu contava sobre você e minha admiração imensa por cada simples ato seu. Estaria parada, em pé, olhando pela janela, a chuva caindo na Avenida, torrencialmente, e eu o chamaria:



- Gal, levante-se, venha aqui. Observe todas aquelas pessoas sob as infinitas luzes da noite, correndo apressadas, atropelando umas às outras com os guarda-chuvas, esquecendo de reparar em toda essa beleza. Nós, aqui, tão gratos por toda essa magnitude. Que sorte a nossa, Gal, que sorte a nossa - eu diria.



Você, embora com sono, caminharia até mim a passos leves, descansaria seu queixo em meu ombro, suspiraria profundamente, caberia, mais uma vez, em meu abraço, e diria:


- Que sorte a nossa, meu bem.


E isso seria a plenitude.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

não esqueça de colocar o despertador para tocar às cinco - sabe o quão difícil é para você acordar. antes de ir dormir, caso esteja frio, cubra seus pés - seus dedos amanhecem tão gelados; e as suas costas, também. feche as janelas - às vezes venta tão forte durante a madrugada, você não acorda, apenas vira para o outro lado. então, o vento vai entrar e como eu sei que você esquecerá de se proteger, poderá pegar um resfriado e você lembra que na última vez ele te deu uma dor de cabeça lancinante, e como você não toma remédios - nem repousa -, terá de faltar aulas. porém, estando na faculdade, não se pode permitir ser relapso. ainda há contas a pagar; vou deixá-las na estante, como sempre. ontem fui ao supermercado, a geladeira está cheia. como é apenas você, agora, tudo irá durar o dobro do tempo, mas, por favor, alimente-se direito, seus braços afinaram desde que você saiu da natação. levo comigo as minhas músicas; creio que você não as queira, tem os mesmos discos, mas vou deixar os filmes que você ainda não assistiu; você queria tanto aquele documentário sobre o Chávez. mantenha tudo de nós que você tem guardado: as fotos, as cartas, o globo de neve que veio de Schwarzenbruck, os bottoms - estou levando aquele que você me deu de aniversário - e aquele desenho que fiz de você, em carvão e cinco tons de azul. mantenha tudo o que eu te disse por todos esses meses, lembre-se de mim com o carinho que diz ter, lembre-se de todos os sacrifícios que fiz por você. não seja imprudente - entende o que digo. dê comida aos peixes, cuide das orquídeas. no verão, regue as laelias diariamente. elas floresceram tanto, mês a mês, mas agora parecem já sem força. não deixe que morram como fizemos a nós dois. eu sei, morar junto é simples, mas a separação é deveras árdua e fatigante. você se acostuma; foi sempre tão desapegado. a mim é que custará esse desapego. fiz de você minha segunda vida, de seus anseios, minha luta; de sua família, a minha; de suas brigas, minha vitória. é doloroso deixar para trás as conquistas, o primeiro encontro dos lábios, sua feição de sono, sua simplicidade para solucionar os impasses, seus ideários revolucionários. no quadro de avisos está meu número de telefone. quando tiver pesadelos à noite e acordar assustado, sem refúgio, nem ar, e não tiver em quem se amparar, não hesite. sei que não vai mesmo ligar; você acha que me evitar será a melhor cura para mim. não tente sempre adivinhar o que é bom para mim. não posso me curar de mim mesma. podemos manter a cumplicidade, os cafés, os capuccinos, as lembranças de quando nos conhecemos, de quando você vacilava para me chamar pelo nome, e me chamava de meu bem. costumava ser desconcertante. recordo-me de, certa vez, após uma frase sua, sair correndo para o quarto para ouvir Atom no último volume. aquela euforia me invadiu de tal modo que pensei jamais parar de girar e pular e de sentir aquela felicidade exorbitante. mas é assim: uma hora a música deve parar de tocar. ela se repete até você ficar suficientemente cansado e enjoado, então você desiste. não há mais como suportar aquela melodia mais uma vez. é preciso dar um tempo, talvez meses, anos, para que possa, novamente, ouvir aquela canção. na pior das hipóteses, é uma desistência sem volta, você se conforma, aceita contrariado e procura por uma outra música, mais bela, talvez, que te faça ter certeza de que não o cansará em um ano. a vida tem dessas coisas: chegadas e partidas, encontros, reencontros e despedidas, entre um momento e outro, esquecimento. não há maneira de ignorar os sinais; você estará por todos os cantos: nas músicas de inúmeros cantores que se parecem tanto contigo, que tocarão quando eu estiver distraída e menos esperar pensar em você, no canal alemão, nos noticiários, nos homens com seu nome. você estará, ainda, em cada canto dessa cidade, nas mensagens de ordem pelos muros, nos novos garotos querendo mudança. então, cuide-se, que eu me acalmo, sossego o coração com o tempo. escreva-me se sentir saudade. vou seguir a minha vida, mas, irreversivelmente, você estará sempre em mim.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Todas as noites eu arrumo sua cama, abro as janelas de seu quarto abafado. Beijo seu rosto, desejo boa noite, tenha bons sonhos e vou me deitar em lençóis já desarrumados, a cortina de vez em quando subindo como a imagem de uma televisão com defeito em minha visão cansada. Todas as noites faço preces para que você vá trabalhar e retorne ao meio-dia, e ao fim da tarde. Programo minha vida para encaixar sua falta de vontade. Por quase dois anos tenho [sobre]vivido por você, aberto os olhos por você, agüentado por você. Venho tentando fazer você rir para não começarmos os dois a chorar, embora eu tenha esquecido como é sorrir sem fazer os lábios tremerem. Por vezes - e muitas delas - calei meus argumentos para evitar discussões. Você e sua cabeça dura. Eu e meu amor por você. Sacrifiquei tantos anseios, mas não me queixo, não me arrependo, fiz por vontade própria, fiz por você, para manter você por perto, conversando, evitando seu isolamento naquela poltrona quente no terceiro andar.
É quando me vem a oportunidade de vê-lo. Lembra dele? Faça um esforço. Quando me vem a oportunidade de rever aqueles olhos lindos, por dois dias apenas meus, ouvir aquela voz cantada da cidade de onde a nossa menina veio, eu te peço pela primeira vez em toda a minha vida resumida a você, tenho dores de estômago, a ponta do meu nariz em movimentos involuntários, o suor gelado em minha testa...



[...]




e você me diz não.