terça-feira, 15 de julho de 2014

Vinte e Oito Noites

Já estava de malas prontas, passagem só de ida para Berlim. No check-in esperei você aparecer, tomar-me em seus braços, dar-me um beijo de adeus e me pedir para ficar. Baiser d'adieu, diriam os franceses, como se os desencontros tivessem sempre um caráter de beleza. Nunca pensei assim. Mas pensava em você, sempre pensei, desde o dia em que te vi pela primeira vez com olhos desnudos e não viciados de um amor moribundo. Havia você na minha cabeça. Sempre houve, desde aquela noite, lá no inconsciente, sem que eu pudesse te trazer para a superfície. Sei que eu também existi no fundo da sua cabeça a partir daquele momento, mas sempre que tentei me tornar consciente, você recuava e me afundava novamente na câmara escura da sua mente. Ali fiquei até cansar de receber por uma fresta a luz que você queria me dar. E houve tanto medo do descontrole, tanta pele e tanto pelo. Deveria ter deixado seu nome incólume e seu corpo imaculado. Sempre um impulso tão sôfrego de destruir o que mal começara a criar história. Sempre o medo, sempre o descontrole. Então, depois de vinte oito noites oscilando entre te ter e te perder, larguei as malas e a partida no avião e corri para te ver, nas mãos o For Those About to Rock em vinil que comprei e devolvi sete vezes sem coragem de te entregar. Pensava em subir ao quarto andar e colocá-lo na sua mesa, embrulhado em um papel azul, para quando chegasse. E eu queria ter deixado e queria ter estado lá para ver o seu sorriso por baixo da sua barba castanha. Mas eu vim até aqui. Vim até aqui com o vinil e sem as malas e sem vergonha na cara. Despida daquele medo congelante, eu vim até aqui, debaixo de um céu chuvoso que deveria ser o céu de Berlim, acima de você e de mim, no Portão de Brandemburgo. Vim e só encontrei um bilhete seu preso na porta, dizendo que estava indo embora para longe, para bem longe de onde eu pudesse estar e que eu, talvez em vinte e oito meses ou vinte e oito anos, teria notícias suas. Ou nunca mais.
E você sabia que eu voltaria.

Perdi minha escala em Frankfurt.