Ela girou a maçaneta e entrou sem bater.
Ele estava deitado no sofá, dormindo.
Ao lado da tv, um maço de cigarros. Ela pegou um e sentou
na poltrona. Acendeu.
Ele acordou, sentei no sofá. Deitou a cabeça em meu colo
e me beijou.
Ela o afetava.
Conversaram. Assistiram à tv. Riram. Ela espalhou a
fumaça pelo apartamento.
A presença dela o afetava.
Eu estava ali, de expectadora daquela intimidade,
encolhida, envergonhada e intrusa.
O cinzeiro enchia e o cigarro acabava.
Ela estava ali, com a guimba entre os dedos e toda a sua
imponência, olhar perdido e pensamento em outro lugar. Alguém a afetava.
Quando o cigarro acabou, levantou-se da poltrona para ir
embora. Não ficaria para o jogo.
Saiu pela porta da mesma maneira que entrou: sem hesitar,
sem pedir licença, nem permissão. Era quase dona daquele lugar. Já havia pisado
naquele chão algumas vezes, muitas vezes antes.
A ausência dela também o afetava.
Continuei ali, com a cabeça dele em meu colo, passando os
dedos entre aqueles cabelos que eram, ainda, tão novos para mim. Calou-se. Não
mais ria, nem conversava.
Levantou-se, colocou no jogo e sentou ao meu lado. Não
mais me beijava.
Minha presença o afetava.
Com o tempo, tornei-me apenas um pretexto para que ele
pudesse vê-la, mas ela nunca mais apareceu. Ele se cansou das tentativas
frustradas e de demonstrar um interesse falso e forçado. Agora, era ele quem me
afetava. A ausência dele também irá.